segunda-feira, 4 de junho de 2012

COMO SE NINGUÉM SOUBESSE - "A corrupção ainda é uma praga que assola Mato Grosso"


Considerado um dos mais combativos membros do MPE, Mauro Zaque assume núcleo



Nesta semana, o promotor de Justiça Mauro Zaque assume a coordenação do Núcleo do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa do Ministério Público Estadual. Considerado um dos mais combativos membros do MPE, Zaque pretende intensificar o trabalho no combate à corrupção.

Segundo ele, o desafio é grande."Estamos ainda engatinhando... Quando a gente fala em combate à corrupção, automaticamente estamos falando em uma criminalidade especializada, do colarinho branco. São pessoas que têm poder financeiro e poder político. Precisamos de programas avançados, para poder trabalhar informações financeiras, fazer cruzamentos, por exemplo, de informações recebidas do Banco Central ou de instituição bancárias. O Ministério Público precisa de contadores, técnicos, peritos, avaliadores", afirmou.


Em entrevista exclusiva ao MidiaNews e MidiaJur, Zaque falou sobre os desafios de seu trabalho e das intimidações que sofre. "Isso não me abala... Se eu quisesse ser simpático e agradável, eu não seria promotor de Justiça", disse.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews - O senhor acredita que a corrupção ainda é um mau presente em Mato Grosso?


Mauro Zaque Infelizmente, a corrupção ainda é uma praga que assola não só Mato Grosso, mas todo o país. As instituições públicas são compostas por muitas pessoas que se aproveitam da impunidade, pois não estão acostumadas a perceberem uma punição efetiva por parte do Estado. Isso acaba sendo um estímulo muito forte. Os corruptos acham que compensa cometer um ato, e até ser punido, desde que reste o dinheiro nas mãos deles. Mas eu acho que a humanidade caminha rumo à probidade, a um novo período, de honestidade e de decência. 
MidiaNews - Os mecanismos de combate à corrupção estão à altura da demanda? 

Zaque – Não. Nós precisamos de mecanismos mais eficazes para combatê-la. E é preciso que a sociedade se conscientize do mal que a corrupção causa e, principalmente, que cumpra a sua responsabilidade, no sentido de um combate efetivo. Infelizmente, grande parte das pessoas tidas como de bem ainda se limitam apenas a reclamar, sem adotar uma postura proativa de combater, de fiscalizar, de denunciar. 
MidiaNews - E quanto a estrutura do Ministério Público Estadual, é suficiente para essa verdadeira guerra?

Zaque – Eu costumo dizer que estamos ainda engatinhando. Quando a gente fala em combate à corrupção, automaticamente estamos falando em uma criminalidade especializada, do colarinho branco. São pessoas que têm poder financeiro e poder político. Então, trata-se de um alvo diferenciado. Você não pode investigar quem tem poder financeiro e político da mesma forma como alguém que está assaltando pessoas na rua. É outro critério. Precisamos de programas avançados, para poder trabalhar informações financeiras, fazer cruzamentos, por exemplo, de informações recebidas do Banco Central ou de instituição bancárias. O Ministério Público precisa de contadores, técnicos, peritos, avaliadores... É preciso que o Núcleo do Patrimônio Público tenha equipe de investigadores. É preciso, também, levantar informações de campo e o Ministério Público, hoje, não conta com nada disso. 

MidiaNews - Qual a estrutura disponível hoje?

Zaque – Hoje, só contamos com uma assessoria, que é engajada, profissional, mas que não é suficiente. Precisamos de trabalho técnico, de coleta e busca de provas... Precisamos de investigadores, de veículos, contadores, analistas. Enfim, é necessário um suporte para que esses casos complexos possam ser devidamente investigados.

"Não basta investigar, prender e processar. O objetivo fim tem que ser o ressarcimento do patrimônio desviado ao Estado"

MidiaNews - O senhor costuma afirmar que só prender os corruptos não adianta.

Zaque Exato. Não basta investigar, comprovar o ato, prender e processar. O objetivo fim tem que ser o ressarcimento, o retorno do patrimônio desviado de volta ao Estado. Isso ainda é uma falha do sistema. O retorno efetivo ainda é tímido, mas a gente já começa a percebe que uma pequena parte do patrimônio retorna, seja depois de uma decisão judicial, ou através de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), onde a própria pessoa, ou empresa, resolve fazer o ressarcimento.

MidiaNews - O senhor já atuou no Gaeco e hoje atua no combate à improbidade administrativa. O senhor já se sentiu, de alguma maneira, ameaçado, constrangido ou intimidado por seus investigados que, geralmente, são influentes?

Zaque Várias vezes. No Gaeco já sofri ameaças veladas de morte. Não tinha ameaça concreta de que iam me matar. Mas vinham notícias do tipo: “Olha, estamos sabendo que tem gente contratada para te matar”. Outro modo é tentar nos desmoralizar, intimidar, pressionar. Isso vai aumentando conforme você vai passando para uma “clientela” diferenciada. Principalmente nos casos de colarinho branco.
MidiaNews – Como são essas intimidações?

Zaque – As pessoas tentam te cercar, te mandam recados, tentam inventar mentiras sobre você... Como em um caso recente, em fui vítima de uma série de ataques e ofensas, mas que já ficou comprovado que eram mentiras (ele refere-se aos ataques desferidos pelo defensor público André Prieto). Então, as pessoas tentam te prejudicar de todas as formas na vão tentativa de diminuir e desqualificar seu trabalho. 

MidiaNews – Como o senhor lida com isso?

Zaque – Com absoluta tranqüilidade. Eu sempre soube, desde o dia em que eu decidi ser promotor de Justiça, que isso iria acontecer. Se eu quisesse ser simpático e agradável, eu não seria promotor. Eu não sou pago, nem tenho o dever, de agradar os outros. Eu tenho o dever de investigar e proteger a sociedade. Mesmo que, para isso, eu pague o custo de ser pressionado, de sofrer ameaças e retaliações. Aliás, quando a gente se vê numa situação de pressão, de coação, aí sim é que dá mais vontade de trabalhar...

MidiaNews – Muitos dos investigados ainda acabam levando a coisa para o lado pessoal, não?

Zaque – Sim; é uma reação natural. Mas para nós, promotores de Justiça, todo mundo é igual. Eu costumo dizer que nós não investigamos pessoas, investigamos fatos. Se for o fulano ou o beltrano que cometeu o crime, para mim, não faz a menor diferença. 

MidiaNews – Como o senhor analisa o episódio em que o defensor público-geral do Estado André Prieto partiu para o ataque contra o senhor, após a propositura de ações civis públicas?

Zaque - Esse tipo de reação somente tem como fundamento a ira, o destempero e o descontrole... Ou quando a pessoa deve e não tem argumentos para justificar os fatos contra si. Mas o tempo é providencial... Estão aí as decisões da Justiça que comprovam isso (Prieto foi afastado liminarmente do cargo pelo Tribunal de Justiça por 120 dias). Sobre as acusações feitas contra mim, foram todas demonstradas que são improcedentes. As agressões só podem ser resultado de quem está em uma situação juridicamente precária, como é o caso dele. Eu, na condição de promotor de Justiça, não me abalo com esse tipo de situação.

MidiaNews – Nesse caso específico, como o senhor avalia o que aconteceu na gestão de Prieto? 

Zaque – Os fatos investigados e revelados contra a administração dele são gravíssimos. E merecem uma resposta rápida e concreta da Justiça. Mas é preciso fazer uma ressalva: essa situação precisa ser vista como um ato isolado do então defensor público-geral. Esses fatos não devem contaminar a imagem de uma instituição importantíssima para a sociedade. A Defensoria Pública estava sendo vítima dessa pessoa. Agora, a atuação dos defensores é de grande valor e importância para Justiça e a sociedade. O importante, também, é que a própria categoria dos defensores está mobilizada, fazendo manifesto e pedindo ao Executivo que o destitua do cargo. 

"O defensor Prieto está cada vez mais distante de retornar ao cargo e submeter a instituição ao um risco maior"

MidiaNews – Mas, no íntimo não há uma satisfação, ao ver que ele está sendo efetivamente penalizado pela Justiça? 


Zaque Mas é isso que o MPE espera... Há uma satisfação, sim, como agente público, no cumprimento do dever, em ver que as provas produzidas estão sendo bem aceitas... Isso, com certeza, dá uma satisfação, em cumprimento ao dever. Até porque hoje, os fatos ficam, a cada dia, mais comprovados. Prieto está cada vez mais distante de retornar ao cargo e submeter a instituição ao um risco maior. 

MidiaNews – Nesse caso, o resultado foi relativamente rápido, não?

Zaque – Sim, relativamente. Foi praticamente um ano desde o início das investigações até a Justiça se posicionar. Mas, isso, porque as provas são muito robustas, evidentes. Os fatos são muito claros; bastaram algumas medidas de investigação para produzir as provas necessária e oferecer as ações por ato de improbidade administrativa. 

MidiaNews – Na sua opinião, o Judiciário tem dado resposta eficiente às demandas do Ministério Público, notadamente em relação aos casos de corrupção e improbidade administrativa?

Zaque – Sim. Já houve época em que nós poderíamos criticar o Judiciário de forma mais severa. Hoje, a realidade mudou muito. O próprio Judiciário mudou muito, e é possível perceber respostas de maneira efetiva, ágil, célere. Lógico que nem tudo está do jeito que gostaríamos. É óbvio, por exemplo, que o Ministério Público quer ver todos os seus pleitos acatados... Mas o Judiciário, atualmente, apresenta um novo viés, um novo enfoque. A gente vê decisões de primeiro e segundo graus que antes eram consideráveis impensáveis.

MidiaNews – O problema da corrupção ainda é grave no Judiciário?

Zaque - Mato Grosso passou por diversos traumas dentro do Judiciário - e vem passando ainda, numa escala menor. O interessante é que é possível perceber uma resposta, uma postura do Poder Judiciário diferenciada. A gente percebe que o Poder Judiciário está querendo acertar e cumprir com o seu papel republicano. Para mim, isso é muito claro e motivo de satisfação.

MidiaNews – Há uma discussão no Congresso Nacional sobre o poder de investigação do Ministério Público. Há quem ache que esse papel é exclusivo das polícias judiciárias (civil e federal).  O senhor concorda com esse pensamento?

Zaque – As teses que visam restringir o poder de investigação do Ministério Público somente se justificam sob o viés de proteção aos criminosos. Não existe cabimento, nos tempos atuais, e pra qualquer pessoa que tenha uma capacidade de raciocínio mediana, querer que a Polícia Civil seja a detentora do monopólio da investigação. Isso beira o ridículo.

MidiaNews - Até porque a polícia é ligada administrativamente ao Poder Executivo...

Zaque – Sim, e outra coisa: se nós vivemos um momento de insegurança pública, de falta de proteção, esse é o momento de ampliarmos ou reduzirmos a capacidade de investigação do Ministério Público? Todo e qualquer órgão que tenha a competência de investigar é importante. Nós não estamos em condições de dispensar qualquer ajuda. Acreditar que só a Polícia Civil pode investigar é um absurdo que nos remeteria à Idade Média, em se tratando de combate à criminalidade, de combate à corrupção.

"Quando o investigado não tem argumentos, ele lança mão de manobras para tentar fugir do principal, que são as provas"

MidiaNews - Existe uma rixa entre o Ministério Público e a Polícia Civil em Mato Grosso?

Zaque – Infelizmente, acho que existe, não só em Mato Grosso, mas no país inteiro. Na verdade, é uma rixa descabida, que não se justifica. Todos são agentes públicos e devem estar comprometidos com o bem da sociedade, e não com o bem de si próprio. Esse tipo de queixa somente fortalece o bandido, o assaltante, o corrupto, o criminoso. Não se trata do Ministério Público querer usurpar a função da polícia. Até porque o Ministério Público nem tem estrutura para tanto. O que se trata é do direito e da possibilidade de se investigar. Veja um exemplo, o caso da morte do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel. A Polícia Civil de São Paulo havia concluído que se tratava de um assalto. Mas, na verdade, foi um crime de mando. Não fosse a atuação do Ministério Público e o caso não teria sido esclarecido. Outro exemplo foi a prisão de João Arcanjo. Não fosse a atuação do Ministério Público, e ele provavelmente ainda estaria na ativa. Não que a polícia não tenha colaborado, mas a presença do Ministério Público foi primordial.

MidiaNews - Muitas autoridades investigadas argumentam possuir foro privilegiado, além da parte penal, nos casos relacionados à improbidade administrativa. Como o senhor avalia isso?

Zaque – Trata-se de uma manobra. Quando o investigado não tem argumentos para discutir as provas dos autos, ele lança mão de argumentos periféricos,  de um acessório para fugir do principal, que são as provas, os fatos. Não obstante esse fato, a Lei de Improbidade especifica, com muita clareza, quem tem esse foro e quem não tem. E os promotores de primeiro grau podem, sim, investigar, na esfera cível, várias autoridades. É o que estamos vendo agora na Defensoria Pública. O defensor público-geral não tem  foro privilegiado na esfera cível. Tanto é que, na área penal, quem está propondo as ações é o Núcleo de Ações de Competência Originária (NACO), junto ao Tribunal de Justiça.

MidiaNews – Qual sua avaliação sobre o sistema de nomeação do procurador-geral de Justiça, que submete ao governador do Estado uma listra tríplice com os três mais votados pela categoria?

Zaque – Eu acho que isso representa uma interferência injustificada do Executivo em relação ao Ministério Público.Cada entidade deve ter autonomia para escolher seus representantes. A partir do momento que essa escolha recai sobre uma terceira pessoa, no caso do governador,  há uma interferência política na direção do órgão.

MidiaNews – Apesar de haver uma harmonia institucional, sabe-se que existem duas correntes internas no Ministério Público Estadual. A sucessão no órgão já começou a ser debatida nos bastidores. Esse grupo ao qual você faz parte, que é um grupo mais independente, pretende lançar um candidato?

Zaque – Na verdade, o nosso grupo é um só: o Ministério Público Estadual. Nós lutamos por um Ministério Público mais forte, mais atuante, mais republicano, que atenda a sociedade da melhor forma possível. Não podemos desconsiderar, também, que se o Ministério Público tem hoje uma imagem boa, foi graças ao trabalho árduo de muitos colegas nossos que já se aposentaram; que lá atrás ajudaram a construir e a fortalecer a instituição. Nós pensamos em como queremos o Ministério Público daqui a dez, vinte anos. É claro que, em todo lugar, existem pessoas que pensam de uma determinada forma. Não que isso resulte em inimizade, disputa ou rixa. Sobre a sucessão, o prazo está se aproximando. Claro que existem especulações, mas nada ainda concreto. Não sabemos sequer se vai haver disputa; pode ser que saia um candidato único.

MidiaNews –O comentário é que o ex-procurador-geral Paulo Prado estaria se articulando para voltar ao comando. Ele seria um candidato de consenso?

Zaque –Não sei, porque não ouvi esse comentário e também não participei de nenhuma reunião nesse sentido. Mas o fato é que o processo está se avizinhando e, em breve, o Ministério Público começará a refletir sobre quem pode ser esse nome. 

"O Turin é um nome forte, muito respeitado, dentro e fora do Ministério Público. Ele representaria a instituição de forma exemplar"

MidiaNews – O promotor Roberto Turin pode ser candidato de novo?

Zaque – O Turin é um nome forte, que tem respaldo e é muito respeitado, dentro e fora do Ministério Público. Ele é uma pessoa de diálogo e um excelente nome a ser analisado. Com certeza, ele representaria a instituição de forma exemplar.

MidiaNews - Está cada vez mais comum a ocorrência de crimes de pistolagem em Mato Grosso. O senhor acha que corremos o risco de o Estado voltar à chamada "Lei do 44"?

Zaque - Não só corremos o risco, como esse tipo de crime é uma realidade. Aonde o Estado não se mostra presente, combativo, eficiente, eficaz, há espaço para o crescimento desse tipo de crime. Uma pessoa só vai cometer esse tipo de crime se se sentir confortável para tanto. Na semana passada, por exemplo, uma senhora foi baleada em frente às duas netas, na esquina do prédio onde mora o governador do Estado. O assaltante roubou a bolsa e atirou na mulher; bem em frente à casa do governador, ao lado de um shopping movimentado. Isso é uma questão de segurança pública. O que leva um assaltante a atirar em uma pessoa, em plena luz do dia, num lugar, em tese, protegido? Ele faz isso porque está se sentindo confortável. Ele não vislumbrou risco para si, ou qualquer reação por parte do Estado capaz de impedí-lo e puní-lo. Esse é um dado, ao mesmo tempo, lamentável e alarmante.

midianews

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